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George Takei: “Não há separação entre a história e o horror”



George Takei, conhecido pelo papel de Mr. Sulu em Star Trek, é um dos grandes nomes de “The Terror: Infamy”, a série original AMC que estreia esta segunda, 17 Fevereiro às 22h10 no AMC. O ator não formou só parte do elenco da série com o papel de Yamato-san, também participou de forma muito ativa como consultor na construção da história. Nesta entrevista exclusiva, Takei fala sobre a importância da história contada em “The Terror: Infamy” e da sua experiência num dos campos da série.

P: Sabemos que passou varios anos da sua juventude num dos campos de internamento para japoneses em que se baseia a história. Que pensou quando lhe apresentaram o projeto?

R: Alexander Woo telefonou-me e disse-me que estava a trabalhar num projeto. Contou-me que o argumento se centrava à volta do internamento de nipoamericanos durante a Segunda Guerra Mundial, e comentei-lhe que desse assunto já tinha eu falado durante vários anos. Descreveu-me o projeto e fiquei entusiasmado com o conceito e a magnitude da história. Era épico, um projeto totalmente inovador. Houve algum episódio de televisão que abordou o tema do internamento, mas fizeram-no com uma abordagem história e não como uma história por si só. Estamos perante 10 horas de uma grande história e durante esas 10 horas é possível conseguir muito mais profundidade sobre o tema.

P: Quais são os elementos da série que mais se aproximam da realidade dada a sua experiência?

R: A história como tal. Hoje em dia, continua a a ver muitos americanos que não ocnhecem este capítulo da sua própria história e esta é a oportunidade para contar a emotiva história de uma família. Também aborda a história de uma geração de imigrantes que trás consigo a cultura de onde procedem, e uma mais jovem que prefere adaptar-se e deixar de lado as crenças e superstições dos seus pais e avós. Estes imigrantes formavam parte da classe trabalhadora e chegaram à Ilha Terminal de Califórnia desde aa Perfeitura de Wakayama no Japão, próximo do sul de Osaka. Como ocorre com muitos grupos de imigrantes, as pessoas do mesmo lugar tende, a manter-se juntas e foi precisamente o que ocorreu com as pessoas de Wakayama que vivia na comunidade pesqueira da Ilha Terminal, mantendo o seu folclore e crenças e seguindo o budismo japonês. Em momentos de stress, este era o pilar em que se apoiavam. “The Terror: Infamy” é uma autêntica representação da comunidade japonesa americana nos anos 20, 30 e 40.

P: Há algo em concreto da sua experiência pessoal que queria que estivesse representado na série?  

R: Eu tinha cinco anos. Acabava de celebrar o meu aniversario no dia 20 de abril de 1942. Pouco depois, em maio, um dia os meus pais me acordaram muito cedo. Também levantaram o meu irmão que ainda era mais pequeno. Também tinha uma irmã pequena, mas ainda era bebé. Vestimo-nos rapidamente e disseram a mim e ao meu irmão que esperassemos na sala. Quando olhei pela janela vi dois soldados a dirigirem-se para a nossa entrada, com duas espingardas a brilhar pelo sol. Tocaram à porta com os seus punhos e pareceu que toda a casa tinha estremecido. Ordenaram que o meu pai saísse do quarto, e o meu irmão e eu seguimo-lo e ficamos de pé na entrada. A minha mãe saiu com a minha irmã pequena em braços e com um saco de viagem, tudo isso enquanto caiam lágrimas pela sua face. Assim começou a nossa experiência de internamento.

Fomos num camião com outras famílias nipoamericanas da vizinhança. Pelo caminho iamos recolhendo algumas famílias e terminamos num hipódromo de Santa Anita. Cada família ficava instalada num espaço pequeno estábulo, cheirava mal e haviam camas. Não havia espaço para caminhar por culpa das camas, tinhamos que andar sobre elas para chegar à zona onde dormiamos. Eu, uma criança de cinco anos só conseguia pensar no emocionante que era dormir com os cavalos.  

O mês passado estive na San Diego Comic-Con apresentando “They Called Us Enemy”, a minha nova biografaa gráfica, onde falo sobre as minhas vivências de quando era um rapaz de cinco anos. Está dirigida aos americanos mais pequenos, que absorvem informação incluso pelos poros. Para adolescentes e pré-adolescentes, esta informação formará parte do seu conhecimento e irá manter-se com eles.

As cenas que têm lugar quando se mostra o que ocorreu durante Pearl Harbor em “The Terror: Infamy” são visualmente muito fortes. Mostram realmente o pânico que se sentiu, a confusão, as pessoas a telefonarem aos seus entes queridos… de maneira muito poderosa. E tudo isso é graças ao nosso diretor Josef Kubota Wladyka.



P: Conte-nos sobre a sua personagem, Nobuhiro Yamato e o seu papel com as outras personagens?

A: Ele é o ancião da comunidade que veio para os EUA quando era um jovem atlético robusto. É conhecido por ser o campeão de boxe com atum de San Pedro. Pescou um atum tão vivaz que teve que lutar com ele para apanhá-lo. Entretém as pessoas com essas histórias de senhor maior.  

Antes de Pearl Harbor, vivia a sua vida ao máximo, sentando-se sobre o seu barco e contando histórias às pessoas. Imediatamente depois de Pearl Harbor formou parte da primeira leva de pessoas em que nos 8, 9 e 10 de dezembro de 1941, dias em que os “líderes” da comunidade, como padres, professores de japonês e o diretor do clube de bonsai foram catalogados como subversivos e encerrados. Enquanto as suas famílias foram deixadas de lado, vivendo na confusão e medo, eles foram levados para o Dakota do Norte, para um campo de internamento parte do Ministério da Justiça. Gravamos em Vancouver, o que serviu para mostrar Dakota do Norte, assim como outras localidades. Está considerada a parte fria doCanadá, pelo que posso assegurar-te que o inverno ali é cruo e cheio de dureza, não foi preciso fingir o frio que passamos.

Esta gente estava aterrorizada pelas suas circunstâncias e só tinham a informação que se susurrava entre eles. Havia uma verdadeira histeria no país, o racismo expandiu-se por toda a nação. Os EUA também estavam a lutar contra os alemães e italianos, mas nenhum destes foi recolhido, graças a Deus, porque pareciam-se como o resto dos americanos. Nós eramos visivelmente diferentes.

P: Além da visível diferença cultural em que se centra e desenvolve a série, também há uma grande separação entre os japoneses americanos que cresceram nos Estados Unidos e aqueles nascidos no Japão. Como afeta isto os personagens e as suas histórias?

R: Durante a guerra houve uma grande separação entre os japoneses americanos. Claro que a tensão geracional estava ai, mas foi acrescentada pelo facto de que, durante a guerra, houve uma mudança política. A geração nascida na América viu-se forçada a demonstrar o seu americanismo. Os seus pais, nascidos no Japão, eram imigrantes aterrorizados, torturados pela incertidão do seu estado. Tinham que lidar com o terror do internamento e o terror da tensão familiar.

P: Que conselho daria a Chester, o nosso personagem principal que viu a sua vida mudar por completo?

R: Yamato-san teria-lhe dado um conselho sobre a América pré-Pearl Harbor. Depois de Pearl Harbor, rodeados pela constante incerteza, Yamato-san têm os seus próprios valores culturais pelos quais tenta regir-se. Ele dá conselhos mediante o exemplo, porque não entende o que está a ocorrer. Quando era um adolescente, falei com o meu pai sobre isto que me disse que o mais terrorífico era o desconhecido. Quando há centinelas com pistolas à tua frente não tens ideia do que pode acontecer nos próximos cinco minutos, próxima hora, ou dia, pelo que Yamato-san não estava em posição de dar conselhos.  

P: O elemento que une a antologia The Terror é a colisão entre a história e o horror. Como se unem ambas temporadas?

R: Tudo o que necessitas é olhar a situação da nossa fronteira sul. A História está a acontecer agora, e é uma história horrorosa. Há crianças que estão a ser separados dos seus pais. Imagina ser um pai e ver como põem o teu filho em jaulas enquanto te levam para outro lugar. Isso está a formar parte da história e é um terror. Não há separação entre os dois, tenham passado setenta e cinco anos ou não.

P: Que mais anseia que as pessoas vejam esta temporada?

R: Aumentar a consciencialização deste episódio na história dos Estados Unidos foi a missão da minha vida. Esta minha biografia gráfica, “They Called Us Enemy”, para americanos mais pequenos. Há alguns anos interpretamos um musical, Allegiance, na Broadway que era sobre o efeito do internamento numa família nipoamericana. Junto a outros japoneses americanos fundamos o Museu Nacional dos Japoneses Americanos. Os gestores das colecções de ali deixarão objetos da nossa colecção para inspirar os guionistas de “The Terror: Infamy”. O meu objetivo sempre foi consciencializar e humanizar esta história e institucionalizá-la com um museu.

Emociono-me ao saber que a história do internamento se dramatize a esta escala. Em “The Terror: Infamy” temos uma combinação importante de história e horror para conscienciar os americanos. Esforçamo-nos por tentar conectar e criar uma nação que mostra por completo esta parte crítica da nossa história.

Não percas esta segunda, 17 de Fevereiro pelas 22h10 a estreia de “The Terror: Infamy” no AMC.

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